quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Doença Venooclusiva Inflamatória Mesentérica – Causa Rara de Isquémia Intestinal

                               

Relato de um Caso Clínico



Relato de um Caso Clínico - Centro Hospitalar de Coimbra



  • Primeiramente, o que seria uma isquemia intestinal? 

Isquemia intestinal é uma condição clínica que ocorre quando o fluxo sanguíneo para a região mesentérica é insuficiente.



Explicando sobre a Doença Venooclusiva Mesentérica


Resumo: A doença venooclusiva inflamatória se caracteriza como condição rara por ser um caso de obstrução das veias mesentéricas e suas tributarias, NÃO envolvendo o sistema arterial.A propósito desta entidade os autores apresentam o caso clínico de um doente, com quadro suboclusivo intestinal e cujo estudo endoscópico do cólon mostrou mucosa edemaciada, com acentuado compromisso da distensibilidade do cólon sigmóide e descendente, traduzindo-se radiologicamente por estenose irregular do cólon, a sugerir neoplasia. As biópsias do cólon foram negativas para neoplasia pelo que, perante a suspeita clínica, foi submetido a ressecção de segmento atingido. O estudo anatomopatológico da peça operatória revelou tratar-se de uma doença inflamatória venooclusiva. Verificou-se boa evolução clínica. Discutem-se os principais aspectos do diagnóstico e terapêutica.*

Doente de 69 anos, sexo masculino, raça caucasiana, admitido no Serviço de Urgência por queixas de fezes com muco e sangue vivo em quantidade moderada.

Referia início das perdas hemáticas após realização de colonoscopia em ambulatório 15 dias antes, solicitada pelo seu médico assistente por queixas, com cerca de 4 semanas de evolução, de dor abdominal localizada ao flanco esquerdo, tipo moinha, persistente, e diminuição do trânsito intestinal para fezes e gases também de início recente e tenesmo. Negava febre, queixas perianais ou outras. A colonoscopia de que era portador, e que apenas foi possível até à junção recto-sigmóide por má preparação, mostrava mucosa congestiva tendo sido realizadas biópsias que apontavam para “inflamação inespecífica”.


Dos antecedentes pessoais destacavam-se herniorrafia inguinal aos 58 anos, hipertensão arterial, dislipidémia e hiperplasia benigna da próstata, para o que estava medicado com perindopril, sinvastatina e tansulosina. Negava alergias conhecidas e hábitos tabágicos, referindo ingestão diária de cerca de 60g de álcool. A história epidemiológica era negativa e os antecedentes familiares irrelevantes. Do exame objectivo realizado na admissão apenas se destacava obesidade (IMC: 35 kg/m2) e abdómen distendido, um pouco timpanizado, com ruídos hidroaéreos ligeiramente aumentados, de timbre normal e presença de dor à palpação profunda dos quadrantes inferiores, sobretudo do flanco esquerdo, sem massas perceptíveis ou defesa. Apresentava-se apirético, normotenso e com restantes parâmetros clínicos sem alterações.





Fig. 2. Imagem de corte coronal (A) e axial (B) de TC mostrando espessamento do recto-sigmóide e cólon descendente (seta) bem como marcada densificação da gordura mesentérica.



O estudo laboratorial inicial mostrava anemia (Hb 10,3g/dl) normocrómica normocítica, PCR de 4,5mg/dl e ureia 8,1 mmol/L. Não eram evidentes outras alterações analíticas, nomeadamente valores elevados dos marcadores tumorais (CEA e Ca 19,9). Na radiografia abdominal simples apresentava ansas intestinais esquerdas distendidas e com esboço de níveis hidroaéreos a esse nível. Foi submetido a estudo endoscópico baixo, que mostrou intenso padrão inflamatório da mucosa, em toda a extensão, com edema marcado condicionando acentuado compromisso da distensibilidade da parede que impedia progressão para além do descendente distal, realizando-se biópsias da mucosa atingida. Internado para estudo complementar, iniciando terapêutica de suporte com fluidoterapia, pausa alimentar com nutrição parenteral e messalazina. No estudo histológico observou-se mucosa cólica com discreta alteração da arquitectura, infiltrado inflamatório na lâmina própria, predominantemente linfoplasmocitário, com alguns eosinófilos e neutrófilos e sem permeação para o epitélio glandular nem formação de abcessos crípticos, ausência de granulomas epitelioides, pigmento hemossidérico ou lesões de necrose, aspectos compatíveis com colite crónica inespecífica. Foi posteriormente realizado clister opaco de duplo contraste que favoreceu a hipótese de se tratar de neoplasia, ao revelar estenose concêntrica, de contornos irregulares, com início a nível da transição recto-sigmóideia não sendo possível a melhor caracterização a montante pela dificuldade de passagem e extravasamento para o exterior do produto de contraste baritado, apesar de bastante diluído (Fig. 1). Efectuou também TC abdominal que mostrou espessamento no recto-sigmóide e cólon descendente, bem como densificação da gordura mesentérica (Fig. 2). Por manter as mesmas queixas clínicas, compatíveis com quadro suboclusivo, e perante incerteza diagnóstica, por estudo complementar inconclusivo, foi decidida a realização de laparotomia exploradora tendo sido notório o espessamento da parede do cólon descendente e sigmóide até à reflexão peritoneal. Foi assim submetido a hemicolectomia esquerda e sigmoidectomia com apendicectomia complementar. O estudo anatomo-patológico da peça operatória mostrou, a nível macroscópico, serosa com áreas hemorrágicas e falsas membranas a revestir também o mesocólon que apresentava áreas endurecidas, amareladas e heterogéneas de tipo citoesteatonecrose; a parede cólica estava espessada, reduzindo significativamente o calibre do lúmen intestinal e a mucosa apresentava zonas aplanadas e erosionadas, a par de outras edemaciadas. Ao exame histológico, a mucosa apresentava infiltrado inflamatório crónico difuso, com áreas de necrose de tipo isquémico/hemorrágico e ulceração. Na parede intestinal, mais aparente em vasos da submucosa e da subserosa, observou-se lesões vasculares, que consistiam em espessamento da íntima e da camada muscular das veias de médio e de pequeno calibre, alterações também presentes nas veias do mesocólon (Fig. 3). O facto de as lesões descritas se localizarem exclusivamente nas veias, permitiu o diagnóstico de doença venooclusiva inflamatória mesentérica. Não se observava atingimento das margens de ressecção. O pós-operatório decorreu sem incidentes, verificando-se boa evolução clínica. Após um ano de vigilância o doente mantém-se assintomático, tendo efetuado colonoscopia total que mostrou presença de 2 pólipos no transverso, com menos de 1 cm, um deles pediculado e outro séssil, cujo estudo anatomopatológico revelou tratar-se de um pólipo inflamatório e adenoma tubuloviloso com displasia de alto grau completamente excisado, respectivamente. Não eram evidentes outras alterações da mucosa. Durante o período de vigilância foi efectuado o despiste de vasculites sistemicas e trombofilias (Anticorpos antinucleares, tempos de coagulação, ANCA e ASCA, antitrombina, Fator V de Leiden, Proteínas C e S, homocisteína, anticoagulante lúpico, anticardiolipina, fibrinogenio, complemento sérico C3 e C4, estudo molecular mutação da protrombina PRT20210G/A, fator reumatóide) que não mostrou alterações. O doente mantém-se em vigilância.





Fig. 1. Imagem de clister opaco mostrando presença de estenose concêntrica, de contornos irregulares, com início na transição recto-sigmóide.



DISCUSSÃO

As vasculites intestinais são situações pouco comuns que acompanham usualmente vasculites sistémicas ou doença inflamatória intestinal4. Nestas duas entidades, existe envolvimento primário do sistema arterial. Uma situação mais rara, e que é reportada no caso apresentado, é a isquemia intestinal resultante de vasculite das veias mesentéricas e suas tributárias.

Primeiro caso publicado em 1976, várias terminologias têm sido utilizadas na literatura para a descrever, tais como “flebite enterocólica linfocítica”, “microflebite linfocítica intestinal”, “hiperplasia idiopática mioíntima” ou “venulite mesentérica intramural”5.


Trata-se de uma doença sem uma causa predisponente identificada. Contudo, nalguns casos relatados, foram implicados, embora sem consistência científica, alguns fármacos (hidroxietilrutosido, reserpina, metildopa, amilorida) e infecção por citomegalovírus.5 Pode ocorrer em qualquer idade, embora a maioria dos doentes esteja acima da quinta década de vida, e não há predominância de sexo.


Clinicamente a doença caracteriza-se por isquemia intestinal aguda (em 15% dos casos5) ou mais frequentemente subaguda, manifestan


As alterações endoscópicas descritas no nosso doente são similares às descritas na literatura, com aspectos inflamatórios da mucosa com edema e eritema por vezes mimetizando a doença inflamatória intestinal.


O diagnóstico definitivo é apenas feito através da avaliação anatomo-patológica da peça operatória, pois as biópsias da mucosa são persistentemente inconclusivas1,2.do-se com quadro variável de náuseas, vómitos, dor abdominal, diarreia com muco ou sanguinolenta, podendo a hemorragia digestiva baixa ser grave1,6,7. Está também descrita evolução fulminante. Os quadros suboclusivos, tal como o que sucedeu neste doente, são explicados pela possibilidade de ocorrência de estenoses, que indicam uma doença com uma evolução prolongada3.


CONCLUSÕES

A doença inflamatória venooclusiva mesentérica representa uma causa rara de isquemia intestinal, de etiologia desconhecida, afectando exclusivamente as veias mesentéricas e suas tributárias. Origina quadro clínico, endoscópico e imagiológico que pode simular outras patologias, nomeadamente neoplasias ou doença inflamatória intestinal. O tratamento cirúrgico é essencial, com ressecção segmentar do intestino atingido, sendo o diagnóstico definitivo apenas estabelecido com o estudo anatomopatológico da peça operatória. Uma vez estabelecido o diagnóstico é necessário vigilância dos doentes, apesar do prognóstico favorável e rara recorrência.



O link para resumo completo do caso é:







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